Duas das maiores entidades da gestão coletiva, lançam campanha conjunta contra cadastros ilegais
O volume gigantesco de novas canções subidas todos os dias ao streaming — mais de 100 mil, segundo dados atualizados da indústria — torna no mínimo complexa a tarefa de checagem dos metadados delas. Num mar de novas publicações, há uma quantidade indeterminada (mas, calcula-se, nada desprezível) de fraudes relacionadas com o cadastro ilegal de uma obra alheia como se fosse própria.
O problema é um dos focos das preocupações da indústria musical e vem levando sociedades de gestão coletiva — como a UBC — a elaborarem estratégias para tentar impedir as fraudes. Nos Estados Unidos, há algumas semanas, as duas sociedades de gestão coletiva locais, Ascap e BMI, anunciaram a renovação de uma força-tarefa que criaram ainda em 2020, a SONGVIEW, diretamente vinculada com este tema.
A força é composta por uma equipe diversificada de especialistas em direitos autorais, técnicos, distribuição, jurídico, negócios e produtos, tanto da ASCAP quanto da BMI. Essa equipe trabalhará para identificar e prevenir atividades fraudulentas relacionadas ao registro de obras musicais, com o objetivo de mitigar as perdas financeiras dos verdadeiros titulares.
O desejo de transparência é tal que as duas entidades liberaram inteiramente uma à outra diversos dados que costumam ser confidenciais nas sociedades de gestão coletiva. As equipes coordenadas entre ambas as associações farão verificações massivas e conjuntas de novas obras registradas, atualizando os dados nos bancos de dados públicos de cada entidade. A ideia é ainda compartilhar expertise com outras sociedades globais e gerar consciência sobre um problema que não para de crescer.
COMO FUNCIONA NA UBC
Na UBC, o reforço da área de verificação manual, que vinha num caminho de acelerada automatização dos processos de cadastro de novas obras, dá a dimensão da preocupação da nossa associação com o tema. A exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, as sete sociedades de gestão coletiva compartilham informações em nível Ecad e tomam atitudes enérgicas quando há sinais de fraudes no cadastro.
“Dentro da UBC, a gente tem remédios pra combater a fraude: expulsão, ação judicial, todo um arcabouço para proteger o sistema de gestão coletiva. Como o direito autoral é declaratório, no Brasil e no mundo, ou seja, o autor é quem se declara dono daquela obra, é preciso tomar alguns cuidados. E, na hora de fazer o cadastro, pedimos algumas informações: letra da música ou contrato com editora ou mesmo o áudio da música. E a gente guarda essa informação. No futuro, pode ser usada em caso de fraudes”, diz Fabio Geovane, diretor de Operações da UBC.
Ele explica que foi um processo constantemente aprimorado ao longo dos anos o que hoje permite a detecção eficaz de tentativas de fraudes.
“Numa reunião recente da Cisac (a Confederação das Sociedades de Autores e Compositores), houve um grande debate sobre iniciativas de cada sociedade para combater o problema. Também pedimos a colaboração constante dos provedores digitais, as plataformas de streaming, por exemplo. Toda hora sobe-se ali uma versão não autorizada, um fonograma sem autorização, um fonograma copiado de outro… Tudo isso é fraude. As plataformas têm ferramentas cada vez melhores para detectar isso. Mas não baixamos a guarda do lado de cá. Temos um grupo dentro da UBC integrado por mim e por membros dos times de Tecnologia, Cadastro e Atendimento para olhar isso com lupa e ver se o sistema está forte o suficiente para não deixar as fraudes passarem”, completa Geovane.
Representante da UBC em Campo Grande, Bruna Campos, afirma que a preocupação chegou também a muitos associados e seguidores das suas redes sociais, onde ela produz frequentemente conteúdos informativos sobre o sistema de gestão coletiva. Entre as queixas que ela vem recebendo, destaca-se acima de todas a atuação abusiva de empresas que se apresentam como editoras — sem trabalhar a música e fazê-la render mais para o associado como fazem as editoras de verdade — e registram a si mesmas como cotitulares da música do artista.
“Essas empresas cobram do artista para registrar a obra e o fonograma, quando não há taxa nenhuma. E ainda se colocam como titulares, como produtores fonográficos. Não fazem trabalho de divulgação, não atuam como selo, não tentam conseguir sincronizações dessas músicas num filme, numa propaganda, e ainda ficam com 41,7% dos direitos. É muito absurdo. Estamos monitorando tudo isso e atuando para impedir os abusos”, ela diz.
Outra fraude que ela diz ter detectado envolve um crime: usar um fonograma alheio como próprio.
“Recebi denúncia pelo Instagram que alguns criminosos estão cometendo esta fraude: ouvem no YouTube ou no streaming uma faixa, fazem download e sobem de novo através de uma agregadora mudando o título, inventando um intérprete, um produtor… Inventam tudo. As agregadoras não têm como checar cada faixa que sobem, dado o imenso volume.”
Num dos conteúdos que Bruna subiu ao Instagram, ela se dirigiu em linguagem bem clara aos artistas, explicando isso:
“Só pra você ter uma ideia, tem gente que cadastra música famosa do Roberto Carlos como sendo sua. E isso acontece DIARIAMENTE. ‘Mas um sistema moderno não detectaria isso automaticamente?. Sim, mas os fraudadores não estão pra brincadeira… mudam trechos do título, incluem-se na autoria e removem o autor verdadeiro… é um trabalho insano!”
Segundo ela, foi a necessidade de reforçar as equipes de checagem manual que tornou o processo de novas filiações mais lento em praticamente todas as sociedades de gestão coletiva brasileiras:
“Uma grande parte do pessoal interno está trabalhando em checagem porque a internet abriu uma oportunidade gigante pra quem viu na desonestidade fonomecânica uma mina de ouro.”
Justamente por isso a gestão coletiva tem anunciado colaborações e investimento maciço em sistemas e novos métodos. Tudo para se antecipar e impedir que o justo dinheiro dos criadores verdadeiros vá parar nas mãos de fraudadores.
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