Skank: uma trajetória vitoriosa encerra ainda este mês
Em 30 anos de estrada, grupo surfou com maestria as transformações do mercado e foi pioneiro no conceito de banda 2.0
O ano era 1994. Se você já tinha idade suficiente para ficar atento às paradas musicais, acompanhar as melhores da semana no rádio e o Top 10 MTV, dificilmente não cantou ou não se lembra dos hits “Te Ver”, “Jackie Tequila”, “Esmola” e “Pacato Cidadão”. Os autores eram quatro mineiros – Samuel Rosa (guitarra e voz), Henrique Portugal (teclados), Lelo Zaneti (baixo) e Haroldo Ferretti (bateria) -, que lançavam o seu segundo disco, “Calango”, com a ideia de transportar o clima do dancehall jamaicano para o pop brasileiro. De lá para cá, o Skank teve uma trajetória marcada por muitos hits e foi pioneiro em ações de interatividade com os fãs, sabendo se adequar às mudanças e possibilidades que as novas tecnologias trouxeram ao mercado. Mais de 30 anos depois, a banda encerra essa história com seu último show no próximo dia 26, no Estádio do Mineirão.
“Acho que compartilhar nossas músicas com o grande público brasileiro é nosso grande e maior orgulho. Eles são nossos verdadeiros parceiros de caminhada. Tivemos a sorte, mesmo, de ser uma banda longeva, e o segredo disso eu realmente não sei, mas sempre tivemos a certeza de que gostávamos muito do que fazíamos. A maturidade foi nos fazendo bem ao longo dos anos. A sensação, hoje, é de dever cumprido por conseguir sobreviver a tantos momentos difíceis dentro e fora da banda”, diz Henrique Portugal.
Quando o Skank lançou seus primeiros discos, nos anos 1990, o modo de vender e consumir música era bem diferente. O rádio reinava no lançamento e na popularização dos artistas, assim como a TV — e, especificamente, a MTV. Revistas e jornais faziam o apanhado da cena musical. Os LPs já tinham perdido espaço para os compact discs (CDs), enquanto as fitas cassetes ainda tinham enorme valor.
O disco “Samba Poconé”, lançado em 1996, veio na sequência e superou todas as expectativas. A banda apostou em elementos de rock, rockabilly, rock latino. E vendeu quase 2 milhões de cópias (até agora, é seu disco mais bem-sucedido), com carros-chefe como “Uma Partida de Futebol”, “Tão Seu” e “Garota Nacional” — esta, a música mais tocada nas rádios brasileiras naquele ano (num pódio que tem ainda “Change the World”, de Eric Clapton, e “Estou Apaixonado”, da dupla João Paulo Daniel, mostrando a diversidade do que se ouvia na época). Os meninos de BH eram, enfim, sucesso nacional.
“Não seria exagero dizer que o Skank recoloca o pop rock brasileiro nos trilhos. Logo de cara, vendemos disco de ouro, em 1991. As gravadoras alegavam, na época, que o rock brasileiro tinha sido a bola da vez só nos anos 80; que era época da lambada, das duplas sertanejas. E, gostando ou não, o Skank chega para mostrar que o rock continuaria sendo viável comercialmente. Para nós todos do Skank, pertencer a uma grande cena musical contemporânea nos anos 1990 era decisivo”, descreve Samuel Rosa.
O disco “Siderado” (1998) fechou a primeira década de vida do Skank. Naquele momento, a indústria fonográfica começava a lidar (ou tentava) com os downloads não pagos e o compartilhamento de músicas via MP3. De um dia para o outro, surgia um formato que permitia reduzir uma música que ocupava 50MB para apenas 4MB, sem perda significativa de qualidade. Era o início de uma mudança que provocaria um maremoto na indústria fonográfica e que só se acalmaria com os serviços de streaming anos depois.
Em 2001, novos personagens entram em cena no mercado: a Apple lançava o iTunes e o iPod; em 2005, nascia o YouTube, deixando os videoclipes e conteúdos musicais disponíveis a qualquer momento, e em 2008, chega o Spotify, junto a outras plataformas de streaming. Toda aquela cena de baixar músicas gratuitamente agora tinha um ambiente mais “regulado” e que prometia impactar ainda mais as vendas de CDs. Para a banda, essas mudanças pesaram mais na parte criativa do que no negócio.
“As mudanças tecnológicas dizem muito sobre como as pessoas passaram a escutar música. Cada vez mais as pessoas têm pressa para assimilar informação, e, quando algo não agrada, elas mudam para o próximo. Isso acabou influenciando mais na nossa maneira de compor e produzir as canções. Tivemos que nos adaptar. Acho que isso foi o que mais impactou”, reflete Henrique Portugal.
Junto com a mudança no mercado, a sonoridade do Skank também ganhou novos rumos nessa nova década. “Maquinarama” (2000), primeiro disco sem metais, e “Cosmotron” (2003), com influências de Beatles ao Clube da Esquina, mostravam um Skank mais maduro, mais rock e cru.
“Essa transformação sonora é uma mistura da diversidade cultural do Brasil. Aos poucos nos permitimos nos reinventar e também compartilhar, através da nossa discografia. E acredito que tenha sido da forma mais natural e espontânea possível. Não planejamos essa mudança. Sentimos a necessidade de inovar, misturar referências, que eram verdadeiras. E esse caminho, de sempre mudar, acabou se tornando a assinatura do Skank”, conta Samuel Rosa.
Eles também se aventuraram pela primeira vez no formato ao vivo com o disco “MTV Ao Vivo: Skank”, de 2001, com todo o repertório escolhido pelos fãs. Para quem pensava que, depois de tanto tempo, eles não atingiram números do início de carreira, o single “Acima do Sol” é até hoje a música mais tocada do grupo nas rádios.
Uma banda 2.0
Com as mídias sociais ganhando mais força, o público queria mesmo era interagir mais com os artistas. O Skank entendeu e apostou nisso, sendo um dos primeiros grupos a ser chamado de banda 2.0 na época.
Em 2004 eles tiveram a música (“Vou Deixar”) mais baixada no país para ser usada como ringtone. Em 2006, com o disco “Carrossel”, tiveram uma grande sacada: disponibilizar todo o disco em um novo celular da Sony Ericsson em uma ação até então inédita, e que rendeu ao Skank o primeiro Celular de Ouro do Brasil, certificação reconhecida pela Pro-Música Brasil (ex-Associação Brasileira de Produtores de Discos).
Em 2008, com o disco “Estandarte”, deixaram o público escolher o repertório do bis (com o “Vote no Bis”, via SMS) e o segundo single através de votação no site. As ações renderam dois prêmios ao Skank: o troféu Iniciativa de Mercado na 16ª edição do Prêmio Multishow em 2009 e, no ano seguinte, o 1º Prêmio de Música Digital na categoria “Artista Mais Engajado Digitalmente”. Embora tenham criado uma série de iniciativas digitais, a banda jamais esperou ser premiada em Cannes.
“O Skank usa desses artifícios para quê? Para divulgar sua música, então existe um assunto aqui que é a música. Mesmo em uma banda como o Skank, na época com 10 discos lançados, a gente ainda precisa da atenção das pessoas. E essa atenção não se perpetua por inércia, ela precisa ser renovada com um assunto novo”, diz Samuel sobre o SkankPlay.
O SkankPlay foi criado para lançar o single “De Repente” e permitia que qualquer pessoa “se gravasse” cantando ou tocando com a banda, criando clipes colaborativos ou em vídeos sincronizados dos integrantes. Produzido por Dudu Marote, e com apoio da MTV, o trabalho foi assinado pelo coletivo Don’t Try This. O resultado: 30 mil versões da música e 200 vídeos criados. Eles levaram o Leão de Ouro na categoria Best Use of Social Media em 2011. O Skank tornou-se a primeira banda brasileira premiada com um Leão em Cannes.
Reta final
Depois de uma pausa nos discos de estúdios e uma série de lançamentos ao vivo, o Skank voltou com um álbum de inéditas em 2014, “Velocia”, que foi produzido sem a intenção de ser último disco de estúdio. Mas, olhando para trás, a banda o encara como um bom encerramento de ciclo.
“O ‘Velocia’ é uma compilação dos dois Skanks. O do começo da carreira e o pós-mudanças. Ali sinto que unificamos o cinturão porque fizemos um álbum coerente, tanto com o nosso início de carreira quanto depois. Não imaginamos que poderia ser o último álbum de inéditas e de estúdio, porque esse momento agora de parar foi uma escolha de fechamento de um ciclo”, define Henrique Portugal.
E o que faltou fazer em mais de 30 anos de banda? Samuel responde:
“Quando lançamos o primeiro disco, imaginávamos fazer sucesso em Belo Horizonte e redondezas. Jamais esperávamos esse sucesso no Brasil inteiro. Acho que, talvez, insistimos pouco na carreira internacional, mas hoje eu entendo o porquê.”