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Tiktok Music pode chacoalhar o mercado de streaming

A nova plataforma de streaming já chegou ao Brasil

Depois de uma longa espera, finalmente ocorreu no final da semana passada — e de maneira low profile, quase tímida — o lançamento que, nos próximos meses e anos, pode virar o jogo na indústria musical. O TikTok, gigante chinês dos vídeos curtos gerados por usuários, lançou sua própria plataforma de streaming de áudio, o TikTok Music. E os dois únicos países escolhidos para essa primeira entrega foram Brasil (84 milhões de usuários ativos no TikTok) e Indonésia (113 milhões), respectivamente terceiro e segundo maiores mercados da plataforma no mundo (os Estados Unidos, com quase 120 milhões, lideram). 

Mas afinal, o que isto pode significar para a música? E por quê?

Como antecipamos na edição 53 da Revista UBC, de dezembro de 2022, o plano do TikTok é se tornar um ecossistema musical total. Ninguém, pelo menos no momento, é capaz de competir com os chineses à medida que eles entram no streaming musical porque o guarda-chuva TikTok passa a permitir:

  • Conhecer novidades musicais, tanto através do novo streaming de áudio como do velho aplicativo original de vídeos;
  • Interagir com essas músicas, gerando novos vídeos e conteúdos virais;
  • Criar música original e subi-la nos vídeos do TikTok, o que muitos aspirantes a artistas da música já fazem;
  • Contatar e interagir com outros usuários que curtem os mesmos sons, tanto através do aplicativo de vídeos do TikTok como da plataforma de streaming de áudio, que traz a funcionalidade de comunidades unidas por interesses parecidos…

Basicamente, o TikTok quer que as pessoas que amam música não precisem sair dali para terem tudo de que precisam.

“Quando uma música é ouvida em streaming, ela não traz todo o seu contexto criativo e cultural – é como ouvir apenas a trilha sonora de um filme. É por isso que um serviço como o TikTok Music pode ser tão empolgante, porque ele pode fornecer o contexto criativo e cultural (através dos milhares de vídeos criados pelos usuários com as músicas), não apenas o arquivo de áudio simplificado”, disse o analista britânico Mark Mulligan. 

Deixando mais claro: a ByteDance, holding chinesa que controla o TikTok, já tem em mãos uma ferramenta que permite criar, distribuir e consumir música. “Na atual cadeia do streaming, você tem criadores, direitos, distribuição, promoção e consumo”, explicou Mulligan. “O TikTok agora tem tudo isso, num ciclo virtuoso independente, um ecossistema.”

A enorme capacidade financeira do TikTok, que pode se permitir não cobrar um valor de assinatura muito alto, traz grande vantagem competitiva ao novo aplicativo. No Brasil, o plano básico e individual custa R$ 14,90 mensais. O Spotify cobra R$ 19,90 pelo seu plano de entrada — já o Duo, para duas pessoas, é R$ 24,90, e a assinatura familiar, para até seis, vale R$ 34,90. 

Isto adiciona ainda mais pressão ao Spotify, cuja subida dos preços vem sendo pedida pelo mercado (gravadoras, interessadas em calibrar seus ganhos nestes meses de alta inflação mundo afora; investidores, que querem ver as contas da plataforma no azul; e artistas, em eterna demanda por melhores remunerações de direitos autorais). Há mais de dez anos, o preço da assinatura em alguns mercados maduros está fixo em US$ 9,99 (Estados Unidos), € 9,99 (Europa), £ 9,99 (Reino Unido) e ¥ 980 (Japão). Há alguns dias, o Tidal foi o app mais recente a anunciar subidas no preço das assinaturas, depois de Apple, Deezer e Amazon Music fazerem o mesmo.

“O Spotify está num momento delicado, com o lançamento do TikTok Music. Os podcasts, grande aposta da plataforma sueca, apesar de muito bem-sucedidos, se mostraram menos lucrativos do que pareciam a princípio. Trata-se de um formato que demanda investimentos em tecnologia e que, em alguns casos, custa muito dinheiro à plataforma devido aos altos salários dos podcasters estrelados que o próprio Spotify contratou. Tanto é assim que, em junho, eles anunciaram o corte de 200 funcionários da área de podcasts. Trata-se da maior parte do quadro do departamento”, explicou Elaine Brandão, analista financeira especialista no mercado musical. “A integração entre música e vídeo é, obviamente, o futuro. Mas o Spotify só recentemente anunciou que irá aumentar a presença dos vídeos no seu app. Está atrasado neste movimento.”

Outra prova da margem de manobra da ByteDance para competir com os suecos é o anúncio, também no fim da semana passada, da extinção do serviço de streaming musical Resso, que pertence aos chineses. O Brasil e a Indonésia são dois dos países que têm o Resso além da Índia, mas o desempenho da plataforma não foi forte o suficiente para chegar a ameaçar os grandes players do streaming. A partir de 5 de setembro, dia final das operações do Resso, todos os atuais assinantes da plataforma que quiserem poderão ser migrados automaticamente para o TikTok Music e ainda passam a pagar dois reais a menos por mês (a assinatura básica do Resso sai por R$ 16,90). 

“O Resso foi uma aposta que não deu certo em Brasil e Indonésia, mas a ByteDance tem tanto poder de fogo que pode se permitir isso”, descreveu Murray Stassen, jornalista especializado em música. “Entendo que a plataforma seguirá ativa na Índia, mas o novo TikTok Music traz mais funcionalidades e se beneficia da marca-estrela, o TikTok, e de uma estratégia melhor azeitada.”

A marca TikTok, de fato, ganhou enorme prestígio nos últimos anos, depois de um início acidentado, com acusações de uso de músicas sem licença e de mineração de dados de usuários. A preocupação da ByteDance em preservar esse prestígio é evidente. O novo TikTok Music já nasce com licenças perfeitamente desenhadas com as três principais majors (Universal, Sony e Warner) e representantes da música independente mundo afora. Com isso, o catálogo oferecido é equivalente aos dos principais competidores. 

A escolha por um lançamento low profile, apenas em dois dos principais mercados da plataforma de vídeos, vai servir para testar a aceitação dos usuários. Indonésia e Brasil são dois mercados em desenvolvimento com alta penetração de smartphones e uma população jovem, ávida de novidades. O Brasil, além disso, está surfando um excelente momento em seu mercado musical. Ano passado, segundo a IFPI, a federação internacional da música gravada, nosso país voltou ao top 10 de maiores territórios para a música do mundo (é o nono) e, com R$ 2,526 bilhões gerados — 15,4% de aumento em relação a 2021 —, puxou o crescimento da América Latina.

“Era um mercado lógico para começar. Estamos muito empolgados em tornar mais fácil para os usuários de Brasil e Indonésia salvar, baixar, compartilhar, escutar e interagir com suas faixas favoritas do TikTok. Esse lançamento tem um grande potencial de adicionar enorme valor à indústria da música”, disse Ole Obermann, diretor global de desenvolvimento de novos negócios no TikTok, que aposta numa “virada de jogo” em favor da empresa em que trabalha.

Os próximos meses e anos dirão exatamente como e em que extensão será essa virada. 

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